O governo federal publicou, em edição extra do Diário Oficial da União, a Medida Provisória 1.160, que dispõe sobre a proclamação do resultado do julgamento, em hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A medida, anunciada no dia 12 de janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, traz de volta o chamado “voto de qualidade”, extinto em 2020, que permitia o desempate em julgamentos no Carf a favor do governo.
Segundo a lei de 2020, em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, resolve-se em favor do contribuinte. Até então, o voto de qualidade permitia ao presidente de cada turma do Carf, sempre um representante da Fazenda Nacional, desempatar os julgamentos.
Durante o anúncio do seu primeiro pacote de medidas, Haddad afirmou que teses favoráveis à Fazenda reconhecidas pelo Judiciário têm sido revistas pelo Carf. “A Fazenda ganha no Judiciário, mas não pode recorrer a ele”, justificou.
A MP também diz que, até o dia 30 de abril de 2023, na hipótese de o sujeito passivo confessar e pagar o valor integral dos tributos devidos, após o início do procedimento fiscal e antes da constituição do crédito tributário, ele poderá fazer o pagamento sem incidência de multa de mora e multa de ofício. Isso se aplica “exclusivamente aos procedimentos fiscais iniciados até a data de entrada em vigor desta Medida Provisória”, segundo o texto.
Também já está publicado o Decreto 11.379, que institui o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais. A criação do conselho foi anunciada em 12 de janeiro, e visa aprimorar a governança, segundo explicou a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Caberá ao conselho: propor medidas de aprimoramento da governança em relação ao macroprocesso de acompanhamento de riscos fiscais judiciais da União, das suas autarquias e das suas fundações; e fomentar a adoção de soluções destinadas a fortalecer e subsidiar as atividades dos órgãos de representação judicial da União, das suas autarquias e das suas fundações, no acompanhamento de eventos judiciais capazes de afetar as contas públicas, com vistas a ampliar a previsibilidade e a segurança na condução da gestão fiscal da União.
Além disso, haverá parcelamento de débitos tributários, em até 12 meses: com descontos de 40% a 50% sobre o valor total do débito, para pessoas físicas, Micro e Pequenas Empresas, limitados a 60 salários mínimos; desconto de até 100% sobre multa e juros para créditos irrecuperáveis ou de difícil reparação; e possibilidade de utilização de prejuízos fiscais de IRPJ e base negativa de CSLL para quitar entre 52% a 70% do débito.
Daniel Moreti, doutor e mestre em Direito Tributário e sócio do Fonseca Moreti Advogados, explica que, como reflexo da exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins, o crédito apropriado no regime não cumulativo, em razão de gastos realizados pela pessoa jurídica, também será reduzido com a exclusão do ICMS, e critica a volta do voto de qualidade no Carf.
“A reversão do critério de desempate favorável aos contribuintes reverte também um importante passo que havia sido dado para a busca da justiça fiscal e da equalização das forças no processo administrativo tributário”, diz Moreti.
O advogado vai além. “As matérias que foram julgadas pelo Carf com voto de desempate favorável aos contribuintes não estavam pacificadas pelo Poder Judiciário, portanto, os fundamentos apresentados pelo Ministério da Economia são, no mínimo, duvidosos. Ademais, não se pode comparar aquilo que foi chamado de padrões do mundo, que são completamente distintos do sistema tributário brasileiro. Lembremos que, desde 1966, o Código Tributário Nacional prevê a solução favorável aos contribuintes, caso haja dúvida na interpretação do fato.”
E resume. “O conjunto de medidas anunciadas demonstra, na prática, uma única preocupação, que é a equalização da arrecadação federal no ano de 2023”, conclui Moreti.
Ainda sobre o fim do desempate a favor dos contribuintes nos julgamentos do Carf, André Félix Ricotta de Oliveira, advogado, professor doutor em Direito Tributário, sócio da Félix Ricotta Advocacia, pontua que o ministro Haddad está descartando toda a discussão realizada pelo poder legislativo nos anos anteriores.
“Ele quer apresentar uma mudança sem reflexão, sendo que já houve debate da sociedade anteriormente com comissão de juristas sobre isso e estas decisões só vão aumentar o litígio”, diz Oliveira.

Para Unica, Medida Provisória representa retrocesso

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) avaliou como um “retrocesso institucional” a Medida Provisória 1160/2023 que determina que conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que são os presidentes de turmas e câmaras no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), poderão desempatar votações a favor da União.
Em nota, a entidade disse que a medida é um “desincentivo à moderna visão de pacificação dos conflitos entre Estado e contribuinte e incentivo à via judicial nas situações em que a tese do contribuinte se mostrou vencedora”.
A MP foi publicada no dia 13 de janeiro, no Diário Oficial da União (DOU) e retoma a imposição do voto de qualidade.
O assunto já havia sido objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), com participação de entidades representativas de classe e da sociedade, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Na ocasião, o entendimento foi o de defesa da constitucionalidade da Lei 13.988/2020, que altera o critério de desempate no julgamento de processos administrativos tributários, de modo a estabelecer que a decisão será favorável ao contribuinte”, afirmou a Unica.
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