Como é cediço, a execução fiscal é o instrumento utilizado pela Fazenda Pública para realização do seu crédito tributário, ambiente no qual são praticados atos expropriatórios do patrimônio do devedor.

Isso implica reconhecer que sua marcha processual é condicionada à manutenção da exigibilidade do crédito tributário que deu ensejo à propositura da ação, isto é, da crise de inadimplemento, de modo que somente nessa específica situação podem ser realizados atos constritivos e expropriatórios de bens e direitos do contribuinte.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 151, indica as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, dentre as quais está o parcelamento (inciso VI) que, ao ser formalizado pelo contribuinte, estanca a crise de inadimplemento, recompondo o contribuinte ao status de adimplência. Assim, celebrado o parcelamento no curso de um executivo fiscal, o impacto de tal providência é (deve ser) a suspensão de seu curso na etapa em que ele se encontra.

Imaginemos que o contribuinte providencie o parcelamento tão logo seja citado na execução fiscal. Nessa específica situação, a incidência da causa suspensiva exigibilidade nesse átimo processual é impeditiva da prática de atos constritivos e expropriatórios que seriam praticados caso perdurasse a crise de inadimplemento. Sem dúvida que se e quando o parcelamento for descumprido a execução fiscal retomará seu curso [1].

Não obstante, na prática do contencioso tributário no estado de São Paulo, deparamo-nos com curiosa situação em que, mesmo após a celebração do parcelamento, a ação de execução fiscal proposta pela fazenda pública permanece em curso disparando atos em busca da penhora de bens e direitos.

Isto se concretiza porque a lei estadual 6.374/1989 condiciona a suspensão da execução fiscal ajuizada antes da celebração do parcelamento de ICMS à existência de garantia da dívida [2]. É o que dispõe o seu artigo 100, § 6º:

“Artigo 100. Os débitos fiscais podem ser recolhidos parceladamente respeitadas as seguintes condições, sem prejuízo de outras estabelecidas pelo Poder Executivo:

[…]

§ 6º. Em se tratando de débito fiscal inscrito e ajuizado, a execução fiscal somente terá seu curso sustado após assinado o termo de acordo, recolhida a primeira parcela e garantido o Juízo, ainda que o parcelamento tenha sido deferido antes da garantia processual.”

A questão que se convoca a responder é: tal exigência da lei 6.374/1989 do estado de São Paulo é cabível? Já adiantamos nossa resposta: não.

Bem, no que toca à questão objeto do presente artigo — suspensão da exigibilidade da obrigação tributária pelo parcelamento — há que se reconhecer que o artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional encontra fundamento de validade e assume a natureza de norma geral em matéria tributária ante o estabelecido no artigo 146, inciso III, “b” [3] da Constituição Federal/1988.

A essa disposição soma-se o artigo 24 do texto Constitucional, que mesmo estabelecendo ser concorrente a competência para legislar sobre direito tributário, deve ser interpretado em conjunto e à luz do referido artigo 146.

Isto implica reconhecer que cabe à União, por meio de lei complementar, editar normas gerais a serem observadas pelos demais entes federados (§ 1º), dotando-se os estados e o Distrito Federal de competência suplementar, isto é, ausente lei federal de caráter nacional, assumem competência para instituir as normas gerais (§2º) e, caso existente a sobredita norma geral, as regras estaduais estão limitadas e devem respeitar o conteúdo da lei complementar.

Tendo a União, no exercício de sua competência legislativa para editar normas gerais de direito tributário, estabelecido que o parcelamento é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não pode a legislação estadual estabelecer condições, limitar ou afastar os efeitos dessa suspensão, de maneira que a condição imposta pela lei do estado de São Paulo afronta o artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional

Celebrado o parcelamento, sustada está a crise de inadimplemento por expressa disposição do Código Tributário Nacional e, consequentemente, resta vedada a prática de qualquer ato na execução fiscal tendente à realização de penhora em desfavor do patrimônio do contribuinte. A orientação do Superior Tribunal de Justiça, inclusive, está sedimentada nesse sentido [4].

Numa típica e indevida resistência de acatamento à orientação de tribunal superior, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem julgado válida a condição prevista no artigo 100, § 6º da lei paulista, por suposta autorização contida no artigo 155-A, caput [5], do Código Tributário Nacional, de modo que, efetuado o parcelamento, somente depois de garantido o débito teria sua exigibilidade suspensa, assim como a execução fiscal [6].

Ousamos discordar desse entendimento da Corte Bandeirante, pois o artigo 155-A deve ser interpretado em harmonia com o artigo 151, inciso VI, ambos do Código Tributário Nacional.

A lei específica prevista no artigo 155-A deve prever a forma de adesão, o prazo, os juros, as causas de rompimento etc., mas, celebrado o parcelamento, a exigibilidade do crédito tributário será suspensa sem que se possa estabelecer qualquer outra condição ao contribuinte diante do que dispõe o artigo 151, inciso VI do Código Tributário Nacional, impedindo-se, consequentemente, a continuidade da execução fiscal.

Não temos dúvida em concluir, portanto, que a exigência de garantia como condição para suspensão da exigibilidade de dívida tributária parcelada e do processo executivo fiscal encontra óbice no artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional, que impõe a celebração do parcelamento como causa geradora de suspensão da exigibilidade.

[1] A suspensão da exigibilidade do crédito tributário ocorrida após o ajuizamento da execução fiscal tem o condão apenas de suspender o feito executivo e não de extingui-lo, visto que o crédito tributário exequendo não foi extinto. Nesse sentido decidiu a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial 957.509/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos (tema 365), sob relatoria do ministro Luiz Fux.

[2] Essa condição para suspensão da execução fiscal também está expressa no artigo 580, § 2º, do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo (RICMS/2000), aprovado pelo decreto nº 45.490/2000.

[3] Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

[4] Em 8/6/2022, no julgamento do recurso especial 1.756.406/PA (Tema nº 1012 dos Recursos Repetitivos), a 1ª Seção do STJ firmou a seguinte tese: “O bloqueio de ativos financeiros do executado via sistema Bacenjud, em caso de concessão de parcelamento fiscal, seguirá a seguinte orientação: (i) será levantado o bloqueio se a concessão é anterior à constrição; e (ii) fica mantido o bloqueio se a concessão ocorre em momento posterior à constrição, ressalvada, nessa hipótese, a possibilidade excepcional de substituição da penhora online por fiança bancária ou seguro garantia, diante das peculiaridades do caso concreto, mediante comprovação irrefutável, a cargo do executado, da necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade.”

[5] “Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.”

[6] Nesse sentido: Agravo de Instrumento nº 2187789-11.2023.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Público, relator desembargador Eduardo Prataviera, julgado em 30/08/2023; Agravo de Instrumento nº 2127638-79.2023.8.26.0000, 13ª Câmara de Direito Público, relator desembargador Spoladore Dominguez, julgado em 6/7/2023.

Fonte: Conjur

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