A revogação do Decreto 11.322/22, que reduziu as alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas financeiras, abre a possibilidade de questionamentos judiciais sobre a necessidade da observância da noventena, de acordo com especialistas ouvidos pelo JOTA.
Our decreto publicado no dia 30 de dezembro de 2022 foi revogado em conjunto com outras normativas pelo Decreto 11.374/23, editado pelo novo governo.
Há um dia de terminar o mandato, o ex-vice-presidente e então presidente em exercício Hamilton Mourão assinou o normativo que reduziu para 0,33% e 2% as alíquotas do PIS/PASEP e da Cofins, respectivamente, incidentes sobre receitas financeiras, inclusive as decorrentes de operações para fins de hedge auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa.
Em seguida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assinaram o Decreto 11.374/23 revogando essa alteração e restabelecendo as alíquotas anteriores, de 0,65% e 4%. O decreto é do dia 1º de janeiro, com determinação de entrada em vigor no dia da publicação, que foi feita nesta segunda-feira.
A discussão gira em torno da observância da noventena, considerando que houve uma elevação de alíquotas. Para o PIS e para a Cofins se aplica o artigo 150, inciso III, alínea c da Constituição Federal, que veda a União de cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data da publicação de norma que os instituiu ou aumentou.
Para Telirio Saraiva, sócio de Tributário do Trench Rossi Watanabe, a noventena com certeza se aplica neste caso. A dúvida aparece pela forma como o decreto foi redigido, sem a previsão de vigência para daqui 90 dias, ou seja, em abril.
“O que vem normalmente quando o decreto está olhando para a noventena? Ele sai com a data de hoje, mas coloca a vigência para daqui a 90 dias. A gente não tem isso neste decreto, então as empresas estão realmente acreditando que o governo e, claro, o fisco, vão aplicar a alíquota majorada a partir de hoje”, afirmou.
Segundo Maria Teresa Grassi, sócia do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, é possível que haja questionamentos judiciais por meio de mandados de segurança. Ela argumenta que não há dúvidas de que houve majoração das alíquotas com o decreto publicado pelo novo governo.
“É perfeitamente possível questionar o restabelecimento das alíquotas antes de transcorrido o prazo de 90 dias, em observância à anterioridade nonagesimal ou noventena”, apontou.
A advogada tributarista afirma que há precedente sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF), o Recurso Extraordinário nº 1.043.313 (Tema 939). Grassi explicou que a Corte decidiu que há possibilidade de majorar as alíquotas por decreto, mas é necessário observar a noventena.
“Juridicamente, o governo federal poderia sustentar a inconstitucionalidade do Decreto nº 11.322, mas não será tarefa fácil visto que [ele foi] regularmente editado pelo governo anterior”, disse.
Saraiva, da Trench Rossi Watanabe, ressalta que no dia 1º de janeiro, quando o decreto do governo passado estava em vigor, as empresas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa que tiveram receitas financeiras estavam seguindo as alíquotas reduzidas. Com a alteração no dia seguinte, as empresas podem entrar com um mandado de segurança preventivo para garantir que a noventena seja observada.
“Como está nesse clima de incerteza, é mais uma razão para os contribuintes estarem seriamente cogitando ir à Justiça para que a questão fique clara”, disse.
Em sua cerimônia de posse nesta segunda-feira, o ministro Fernando Haddad chegou a citar que medidas tomadas nos últimos dias do governo Jair Bolsonaro poderiam gerar uma perda de receitas tributárias “irrecuperáveis” em patamar de R$ 10 a R$ 15 bilhões. Haddad afirmou também que a revogação de alguns dos atos exigiria noventena, mas não especificou quais seriam.
Leonardo Branco, membro do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV e conselheiro da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), avalia que independente de ter produzido efeitos, a diminuição das alíquotas passou a ter vigência no dia 1º de janeiro, então “[as alíquotas] somente poderão ser reestabelecidas dentro de 90 dias”.
Branco ainda ressalta que, se o governo decidir não aplicar a anterioridade nesse caso, o caminho para o contribuinte seria a judicialização, já que a Súmula Carf 2 define que o órgão não é competente para se pronunciar sobre constitucionalidade de matéria tributária.
“Aqui a gente tem uma questão de separação de poderes. O Carf integra o Poder Executivo, não poderia analisar um argumento de constitucionalidade porque o decreto em algum momento esteve vigente. Então é uma questão tipicamente para ser resolvida no âmbito do Judiciário”, afirmou.
Source: JOTA.