Por Marcus Paulo Jadon, Diego Diniz Ribeiro e Camila Campos Vergueiro

Em 11 de outubro de 2021 foi publicado o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.296, no qual foi declarado inconstitucional o artigo 7º, § 2º [1], da lei do mandado de segurança (Lei federal nº 12.016/2009), que vedava a concessão de medida liminar em mandado de segurança que tivesse por pedido a compensação de crédito e indébito tributários. Referida decisão apresenta caráter vinculante, nos termos do § 2º [2] do artigo 102 da Constituição Federal, efeito esse reiterado infraconstitucionalmente no artigo 927, inciso I [3] do Código de Processo Civil, por isso entendemos por bem retomar o assunto nesta coluna.

Tal pronunciamento vem gerando diferentes interpretações quanto ao seu alcance em relação à compensação em matéria tributária, haja vista o óbice prescrito pelo artigo 170-A [4] do CTN, que estabelece como condição para exercício da compensação o trânsito em julgado da decisão judicial em que se discute o indébito tributário. Assim, o debate avalia se a partir de tal julgado seria possível admitir, de forma ampla e irrestrita, o deferimento de tutelas provisórias — gênero do qual é espécie a liminar no mandado de segurança —, autorizando a compensação em matéria tributária.

Para precisar sua abrangência, mister identificar os seus motivos determinantes, i.e., sua ratio decidendi, o que supõe a leitura da íntegra do aresto e não apenas uma rápida vista d’olhos em sua ementa [5].

Detendo-nos sobre os votos proferidos no referido julgamento, em especial o vencedor, da lavra do ministro Alexandre de Moraes [6], constata-se que o STF considerou que a lei não pode prever uma restrição de caráter absoluto ao poder geral de cautela do juiz, sob pena de indevidamente (1) restringir a eficácia do próprio mandado de segurança e, reflexamente, do direito líquido certo que por meio dele se pretende proteger, (2) violar o princípio da inafastabilidade da jurisdição, além de (3) atribuir à fazenda pública um tratamento preferencial sem que haja motivo juridicamente válido para tanto.

Levando em consideração a ratio decidendi do aludido precedente, a questão que fica para ser respondida é: a referida ratio poderia ser convocada para também reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 170-A do CTN e, com isso, concluir ter se consolidado nesse julgado o “amplo e irrestrito” direito à concessão de tutelas provisórias autorizando a compensação?

Antes de responder essa pergunta, convém destacar que, no plano infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece válido o referido artigo 170-A do CTN, conforme se observa do teor da sua súmula 212 [7], bem como da decisão veiculada no recurso especial nº 1.167.039/DF [8], julgado sob o rito de recurso repetitivo ainda na vigência do CPC/1973. Tais manifestações do STJ são formalmente vinculantes, à luz do artigo 927, incisos III e IV do CPC [9] e, por isso, não podem ser ignoradas no contexto do presente trabalho.

Por sua vez, no âmbito doutrinário, é possível encontrar quem defenda a inconstitucionalidade do artigo 170-A do CTN, o que se dá com base em diferentes fundamentos, que vão desde ofensa ao direito de propriedade do contribuinte [10] até a indevida mitigação do princípio da inafastabilidade da jurisdição [11].

Feitas essas considerações, retornemos às razões de decidir da ADI 4.296, de cujo conteúdo é possível reconhecer que os fundamentos lá expostos podem ser convocados para também se contrapor ao disposto no artigo 170-A do CTN.

Todavia, por mais paradoxal que isso possa parecer, tal posição pretoriana não redunda na precipitada conclusão de que, a partir de agora, todo e qualquer crédito tributário debatido em juízo será passível de compensação antes do seu trânsito em julgado. E isso porque o voto condutor do acórdão, do ministro Alexandre de Moraes, refuta “restrições absolutas” ao poder geral de cautela do juiz, mas também reconhece que a concessão, ou não, de uma tutela provisória em mandado de segurança, ou em ações de rito ordinário, depende da prudencial análise do juízo no exercício em concreto do seu poder geral de cautela [12].

Em outros termos, o STF teria afastado o óbice em um plano normativo, mas não no âmbito da realização prática do direito. Assim, a concessão in limine de uma tutela provisória [13] continuaria tendo um caráter excepcional, ainda mais quando tal provimento jurisdicional apresenta viés de irreversibilidade [14]. Logo, a sua concessão continua dependendo do preenchimento dos requisitos próprios das tutelas de urgência (probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo) ou da presença de uma das hipóteses de cabimento da tutela da evidência (artigo 311 do CPC) [15] [16].

Diante desse quadro, por mais alvissareira que a decisão pretoriana possa parecer, acredita-se ainda que no âmbito pragmático do Direito Tributário a concessão de tutelas provisórias para compensação continuará sendo medida excepcional.

Em todo caso, esse precedente tem dois méritos que merecem ser aqui sublinhados: (1) o destaque dado ao poder geral de cautela como instrumento para a realização substancial da atividade jurisdicional e (2) por trazer novamente ao centro das discussões o disposto no artigo 170-A do CTN, o qual hoje se apresenta em um contexto histórico-normativo muito distinto daquele em que foi inserido no CTN [17].

 

Fonte: ConJur