Aprovada na madrugada do último dia 7, na Câmara Federal, a reforma tributária vem sendo discutida desde a elaboração da Constituição de 1988, quando, pela primeira vez, tentou-se unir os tributos sobre o consumo em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Passados mais de 30 anos e um texto aprovado em primeira votação, a expectativa é que o país tenha mais segurança jurídica, menos burocracia e mais simplificação, sem onerar ainda mais cidadãos e empresas. Na opinião de especialistas, isso não deve acontecer. Pior: podemos ter aumento de carga tributária.
Para o doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB/Pinheiros, André Felix Ricotta de Oliveira, “a redução não parece ser prioridade para os políticos e administradores públicos”.
O advogado lembra que o texto aprovado é uma alteração do substitutivo da PEC 45/2019 apresentado no dia da votação. “Essa reforma tributária é questionável e pouco transparente”.
Oliveira destaca que a reforma mantém a possibilidade da substituição e antecipação tributária no IBS e na CBS. “Esses institutos tributários interferem na economia, aumentam os custos das empresas e violam princípios econômicos básicos”.
Para Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT), a reforma aprovada aproxima o modelo de tributação brasileiro dos regimes praticados em mais de 170 países e pode ser um instrumento de atração de investimentos no futuro. Mas ressalva que “as diferenças regionais devem ser consideradas pelos representantes do legislativo e do executivo, para não onerar os setores mais pujantes do país”.
Segundo Natal, havia a necessidade de um debate mais amplo com setores econômicos, principalmente com o de serviços. “É sabido que 70% das empresas brasileiras trabalham com serviços e há uma dúvida muito grande em relação ao efetivo encargo tributário que esses prestadores terão”.
Arrecadação
Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados, especialista em Direito Tributário, corrobora da opinião. “Salvo algumas exceções, como educação, saúde e produtos agropecuários, o setor de serviços sofrerá forte impacto. Hoje temos uma alíquota média de 18% de ICMS e 5% de ISS e o principal insumo do setor – mão de obra – não dará direito a crédito”, destaca.
O texto prevê ainda a instituição de um Conselho Federativo, que será o órgão arrecadador do IBS e funcionará como uma espécie de autarquia, centralizando importantes competências. A própria classe política tem sido crítica deste conselho, especialmente os governadores, que temem a perda da autonomia.
Katia entende que o receio dos governadores tem fundamento. Segundo ela, delegar as regras de repartição de receitas e gestão de recursos ao Conselho e ao Fundo Regional fere o pacto federativo. “A sugestão de paridade na composição como solução, tendo em vista que o peso da participação econômica dos Estados e Municípios não é equânime, não vai funcionar”.
Na visão de Daniel Moreti, sócio do Fonseca Moreti Advogados, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, professor de Direito Tributário, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, existe um clima de otimismo no sentido de que a reforma trará melhoria para o ambiente de negócios. “Mas, no futuro, veremos que muitos problemas jurídicos virão junto com a reforma”.
Moreti entende que a resolução de muitas questões em aberto dependem da publicação de leis complementares, destinadas ao detalhamento do novo sistema tributário. “Enquanto isso, continuaremos convivendo com os problemas não solucionados do sistema atual, para os quais o Judiciário tem sido um dos grandes responsáveis, além do fisco, que obviamente insiste em impedir o exercício dos direitos dos contribuintes, sempre com fundamento na necessidade de arrecadação”.
Agronegócio
O diretor adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO e advogado no escritório Lara Martins, Guilherme Di Ferreira, diz que “é impossível ver com bons olhos uma votação feita às pressas e da forma como aconteceu”. Ele espera que a avaliação no Senado seja feita de forma mais apurada e responsável. “Não podemos aceitar que uma reforma tão importante seja tratada de forma leviana e sem a devida apuração de seus” efeitos”.
O agronegócio, por exemplo, do ponto de vista de Di Ferreira, pode ser impactado negativamente pelo Imposto Seletivo, que será regulado posteriormente por lei complementar. Conhecido como “Imposto do Pecado”, incidirá sobre produtos classificados como nocivos à saúde. “O receio é que os agrotóxicos entrem na lista e tenham uma carga tributária tão elevada que impactará em toda a cadeia do agro”.
Fonte: Hoje Em Dia